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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Mal de Alzheimer

Mal de Alzheimer
Doença absolutamente cruel e silenciosa.

Vai chegando de mansinho sem que possamos identificá-la, como um ladrão vil que rouba o bem mais importante do ser humano: a identidade.

Sem identidade o nosso ente querido parece perder junto sua dignidade, seus valores, suas convicções.

É um roubo lento e quase imperceptível, pois principalmente no mundo em que vivemos hoje, nos restam muito pouco tempo para percebermos mudanças tão sutis como pequenos lapsos de memória.

Afinal, quem nunca se deparou em frente a um armário tentando lembrar o que teria ido buscar ali?

E assim, com um lapso aqui e outro ali, o nosso ente querido parece ir vagarosamente desligando seus circuitos internos, distanciando-se a cada dia da realidade, da rotina do dia a dia.

Quando nos damos conta, o nosso ente querido já foi quase que totalmente embora de nossas vidas, restando apenas ali um corpo humano que outrora tanto participou, lutou, opinou, trabalhou, amou a todos.

O pior desta triste lembrança é o sentimento de culpa que nos acomete por não termos percebido os detalhes do início dessa doença, apenas verificamos o quanto fomos intolerantes, impacientes quando o nosso ente querido teimava em não tomar banho, em esconder as coisas, em dizer que roubaram suas coisas, e, naqueles momentos achávamos que era apenas uma simples caduquice ou implicância da idade. Mas não, era esse “criminoso” invisível e silencioso que já havia chegado e se instalado sem que tivéssemos percebido.

Daí para frente, a doença é cada vez mais cruel, pois tira do paciente toda a sua autonomia, e nós, aqueles que convivem com o paciente, sofremos junto por não ter mais nada a ser feito. É como se algo misterioso chegasse e sugasse a alma do seu ente querido, deixando apenas um corpo vazio.

É necessário que tenhamos muita compreensão, muita paciência, muita dedicação e, sobretudo muito amor para convivermos com a realidade de um paciente portador do mal de Alzheimer.

Existe uma fase intermediária entre o principio da doença (que não sabemos localizar precisamente) e a fase final, que é uma fase onde o paciente muitas vezes fica bastante agressivo quando contrariado, e esse é mais um momento muito difícil, pois não acreditamos que aquela pessoa antes tão equilibrada seja capaz de atitudes tão fortes, tão violentas. Parece mesmo um pesadelo, parece que o nosso paciente está ficando louco e tentamos com toda a nossa ignorância repreendê-lo como a uma pessoa normal, e de nada adianta, pois essa viagem não tem mais volta... é só de ida.

Na fase mais agressiva da doença, o paciente já não quer se alimentar, já não consegue se locomover direito, já não consegue fazer sua própria higiene pessoal, e muitas vezes ocorre o que aconteceu com minha mãe, que tivemos de colocar uma sonda diretamente no estômago para que ela fosse alimentada.

Foram momentos terríveis no hospital quando da internação para o procedimento da gastrostomia. Tive que presenciar minha mãe em ataques extremos de loucura, tendo que ficar imobilizada na cama para que não arrancasse a sonda e sendo medicada como uma pessoa deficiente mental e agressiva... foi lamentável.

Unido a tudo isso fomos percebendo a falta de estrutura que existe por parte de médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem no trato com pacientes idosos e portadores do mal de Alzheimer. Não existe de fato o carinho pelo paciente... não existe.

Principalmente os enfermeiros e auxiliares não sabem como lidar com o paciente. Pensam que são todos iguais e tomam atitudes e têm comportamentos iguais como se todos fossem um só. Isso é inadmissível, pois dentro de nosso juízo perfeito sabemos que cada ser humano é um só embora possa haver comportamentos idênticos. Mas isso não quer dizer, por exemplo, que sempre ao chegar junto ao paciente, o enfermeiro ou auxiliar tenha que falar tão próximo ao ouvido do paciente e tão alto, supondo que todos os idosos são surdos.

Tive muitos aborrecimentos em todas as vezes que minha mãe esteve internada. Raros, muito raros são aqueles profissionais que sabem lidar com um idoso e principalmente se este for um portador do mal de Alzheimer.

Acredito muito fortemente que um passo que iria melhorar muito essa relação com o paciente, seria se os profissionais de saúde escutassem os parentes do paciente, se ouvissem atentamente e dessem a importância necessária para seus comentários, observações e queixas, Os parentes conhecem muito melhor o paciente do que os profissionais de saúde, que apenas conhecem a parte técnica. Acredito mesmo que a união da técnica com o conhecimento do paciente através do seu parente surtiria um efeito muito melhor e muito menos doloroso para todos, afinal é a nossa mãe que está sendo tratada como um número e não como um ser humano.  

Minha mãe vivia completamente dependente de nós para tudo já que não se alimentava sozinha e sim pela sonda, não se locomovia, não falava, não reclamava, não conseguia se coçar (!). Passava a maior parte do tempo deitada ou sentada no mais profundo silêncio... é muito triste pois busquei em sues olhos onde ela estava escondida e não a encontrava. Algumas raras vezes seus olhos passavam pelos meus e sentia um pequeno lampejo de alegria e de reconhecimento, mas isso não durava mais do que segundos.

Fisicamente ela estava conosco, mas, espiritualmente eu realmente não sabia por onde ela andava. Por mais que a buscasse, não a encontrava, a não ser nas minhas lembranças tão fortes de quando ela era a pessoa ativa, determinada, justiceira, forte, de caráter tão correto... e, nessas horas em que ficava ao seu lado lembrando de como ela era e o que fazia, sentia uma angustia grande por não ter aproveitado melhor enquanto ela ainda possuía sua própria identidade.

É uma doença cruel, mas é também um instrumento de lição de vida para todos que passam por ela. É apenas uma pena que saibamos tão pouco a respeito do mal de Alzheimer e que nunca estejamos preparados para enfrentá-la no seu mais discreto sintoma.

Minha grande esperança é que o estudo sobre a doença seja cada vez mais aprofundado, não só pelo aspecto da pesquisa de sua cura, como também pelo lado psicológico e humano para que as pessoas da área de saúde aprendam a lidar melhor com os pacientes e saibam levar a tranqüilidade e o conforto aos parentes de um paciente portador desta doença.


2 comentários:

Luar do Conselheiro disse...

Emocionante e doloroso... Aos que tem olhos e ouvidos, reflitam.

A Poética de Carmen Mendez disse...

Só nós sabemos como é o processo não é mesmo????
Para entender as pessoas precisam, ou passar, ou buscar o conhecimento.